Poetas MiRaZé

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Camila, Raimundo, Vandei (Zé)

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Menino bom de bola

Tavinho era um menino feliz, pois tudo o que mais gostava era de brincar, principalmente com sua bola.
Uma bola vermelha dessas “dente e leite”, um pouco gasta, que havia sido fortuitamente tirada de sua irmã do meio.
Tavinho brincava tardes inteiras embaixo do pé de ipê no quintal de sua casa, às vezes a brincadeira entrava noite a dentro, quando era surpreendido pelos gritos de sua mãe, Tavinho escondia cuidadosamente sua bola para brincar no dia seguinte.
O menino amava brincar de bola, todos os meninos de sua idade brincavam de outras brincadeiras, mas Tavinho amava brincar de bola.
O tempo foi passando e Tavinho foi percebendo algo de diferente em relação ao seu brinquedo, ele não entendia porque tinha que brincar sempre sozinho com sua bola, porque tinha que brincar sempre escondido.
O fato de se esconder para brincar de bola veio devido às represálias que sofria por parte de sua mãe e irmãs.
Tavinho sempre brincava com sua bola vermelha e sempre quando dava roubava mais algumas de suas irmãs.
Tavinho tinha poucos amigos, pois a maioria dos meninos de sua idade não brincava de bola. Tavinho sentia-se solitário, mas feliz, embaixo do pé de ipê com sua bola vermelha.
Certa tarde de verão, quando o ipê já não tinha tantas flores nem tantas folhas para lhe proteger do calor,  Tavinho foi surpreendido por sua mãe, ele estava com sua bola vermelha na mão e sua mãe com um cipó verde apontado para ele.
“Bola não é brincadeira de menino, larga já essa bola e entra”, gritou sua mãe já descendo o cipó em suas costas, Tavinho estava sem camisa, pois era verão e todos os meninos de sua idade nessa época do ano não usavam camisa, assim como todos os meninos de sua idade não brincavam de bola embaixo de ipês.
Tavinho sentiu o cipó arder em suas costas, como se fosse um raio de sol de verão que despencava lá de cima do céu azul sem nuvens e arranhava suas costas.
Ali Tavinho entendeu que algo errado acontecia com ele, pois sempre que brincava de bola era reprimido pela mãe, pelas irmãs e às vezes por algum outro menino da rua.
As coisas ficavam cada vez mais estranhas para Tavinho, poucos meninos gostavam de brincar com ele, e ele era cada vez mais apontado na rua como “o menino que brinca de bola”.
O tempo passa e o menino começa a perceber mudanças a sua volta, começa a perceber que todos os meninos da rua, da escola, brincam somente com bonecas.
Tavinho percebe que bola é brinquedo de meninas, pois suas irmãs são as melhores boleiras da rua, possuem as bolas mais coloridas, de variados tamanhos e sempre estão juntas com outras meninas brincando de bola.
Para se entrosar com os meninos de sua rua Tavinho resolve participar de uma brincadeira de bonecas.
Logo de cara percebe que é diferente, pois não gosta de costurar roupinhas, pentear cabelos, fazer comidinhas essas coisas que todo menino gosta.
Mas Tavinho brinca de boneca com os meninos, para acabar com a sua fama de menino que gosta de bola.
Ao brincar de boneca com os meninos, sente algo estranho, sente-se deslocado, o tempo parece que pára, tem vontade de chorar, tem vontade de correr, sair dali pegar sua bola vermelha e correr para debaixo do pé de ipê.
O tempo passa, o ipê cresce cada vez mais, o menino também cresce, suas costas estão mais largas, a voz meio rouca, meio fina, já não brinca de bola, não por falta de vontade.
Tavinho agora só brinca de boneca, tem uma coleção de várias bonecas, os meninos da rua o respeitam pela quantidade de bonecas que ele possui.
È inverno, o ipê está com a copa repleta de folhas e na sua raiz está enterrada a velha bola vermelha de Tavinho e com ela seus sonhos, seus desejos.
Algo dentro de Tavinho mudou, ao enterrar sua bola vermelha na raiz do ipê, também enterrou o menino de calças curtas que brincava de bola escondido da mãe.
Sente-se agora igual aos outros meninos, gosta das mesmas coisas e brinca com bonecas, mas ele sente que existe algo maior nos seus desejos do que uma simples brincadeira de bola.
Com a chegada da primavera o ipê se enche de flores, o chão vira um grande tapete cor de rosa, e Tavinho deitado sobre esse grande tapete sonha com sua bola enterrada na raiz e sonha em desenterrá-la e assim liberar seus desejos que estão também enterrados no peito.
Com as flores do ipê vai-se o tempo, o menino cresce, se sente mais forte, e as brincadeiras com a bola vermelha fica cada vez mais pra trás.
Tavinho agora freqüenta festas, e é forte suficiente para encarar qualquer moleque que ousar falar que ele brincava de bola quando criança.
Mas, algo muda na vida de Tavinho quando ele conhece Benjamim, um menino com a mesma idade que a sua, com o mesmo sorriso de quem tem uma bola vermelha e um olhar de quem também esconde algo nas raízes de um ipê.
Com a aproximação de Benjamim , Tavinho percebe que o fato de brincar de bola na infância não o fazia anormal, como os meninos sempre falavam, apenas o fazia diferente.
E agora encontrar um menino que também gostava de brincar de bola, faz perceber que não está sozinho.
Tavinho e Benjamim vão até o fundo do quintal, aos pés do grande ipê, desenterram de junto das raízes a velha bola vermelha.
Junto com a bola, Tavinho também desenterra seus sonhos e seus desejos que agora tem com quem dividir.
Tavinho agora não mais se envergonha das brincadeiras de infância, não mais enterra seus sonhos e nem seus desejos.
Tavinho e Benjamim brincam embaixo do grande ipê, brincam com a velha bola vermelha, sonham deitados sobre o grande tapete cor de rosa.

Seu Zé

3 comentários:

  1. Muito loko mano Zé, é se arriscando que a gente pode ser aonde vai dar nossas aventuras.
    Gostei muito do conto e conto com você pra continuar a ler coisas boas como esta.
    Abracios, fui.

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  2. Não tenho, verdadeiramente, um comentário a cerca do texto. Não consigo dizer o que me chamou atenção.

    Só posso dizer que, no momento em que "Tavinho e Benjamim vão até o fundo do quintal, aos pés do grande ipê..." Senti uma grande emoção!

    Sobre as questões de gênero que rodeiam o texto, nada que eu disser terá um brilho original. Acredito que seja um consenso a inutilidade dos preconceitos e...

    Tô falando demais!


    Muito louco o texto!

    Abraços

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  3. Zé,
    Parabéns pelo texto Lindo.
    Que forma linda de tratar o sonhos.
    Feito brincadeira de criança.
    Saudades
    Beijos

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